Foto: Lucas Amorelli (Diário)
"Tio Derli", como é chamado pelas crianças, já transportou várias gerações
"Devagar", orienta uma voz experiente, com entonação de quem sorri enquanto fala, a orquestrar a descida dos alunos da van escolar. O comando vem do motorista da primeira van escolar a operar em Santa Maria, Adão Derli de Almeida Ribeiro, 64 anos. Mais da metade de sua vida foi dedicada ao transporte de estudantes. Em 40 anos como motorista, passageiros de 0 a 90 anos já foram confiados aos cuidados dele. As quatro décadas foram completadas no último domingo. Ele leva e busca alunos dos colégios Centenário, Luiza Ungaretti, Olavo Bilac e Santa Catarina.
Na tarde de ontem, seu Derli deixou a casa dele, no Bairro Salgado Filho, em clima de comemoração. Yanka Nascimento Pereira, 21 anos, foi a primeira a embarcar no veículo. Como assistente da van, é ela quem se certifica que estão todos sentados, com o cinto de segurança afivelado. Para cada um que entra, seu Derli dá uma pequena apresentação.
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Na parada em frente à casa do próximo passageiro, ele aponta para uma faixa em uma casa na Rua Adolfo Ungareti. A mensagem homenageia Gabriel, bixo em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Seu Derli descreve Gabriel, um ex-passageiro seu, com orgulho e zelo:
- Aquele ali, eu carreguei quando não alcançava os pés no chão. Ficava aqui no meu lado balançando os pezinhos - lembra o motorista.
Depois de Yanka, embarcaram na van os estudantes Eliabe Martins Gomes e Bento de Sá Dickel, ambos de 8 anos. A dupla conta que adora o tio Derli. Quando perguntados se o motorista fica bravo com a bagunça que os alunos fazem eventualmente, eles dizem que não.
- Ele só brinca que a gente tem um bicho carpinteiro quando a gente está falando alto. Aí, a gente fala mais baixo - conta Eliabe.
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Apresentada pelo motorista como a mais jovem passageira, Nicole Cardoso, 4 anos, é a mais falante da van. Pelo sistema viva voz do telefone, ela ouve o neto de Derli parabenizando o avô pelos 40 anos de profissão e logo acrescenta:
- Tio Derli, eu também estou fazendo 5 (anos) amanhã (hoje)!
Cezar Alves, 62 anos, é pai de Luiz Henrique, 6 anos. Ontem, ele se apressou em intitular Derli como o "melhor motorista da cidade":
- A gente confia muito nele. Ele carregou meu filho mais velho e, agora, leva o mais novo. Nunca tive nenhuma reclamação do trabalho dele.
O destino final é a porta do Colégio Centenário. Um a um, os estudantes dizem "Tchau, tio Derli" e desembarcam do veículo. A assistente de coordenação do Colégio Centenário, Elisete dos Santos, 56 anos, aguarda as crianças do outro lado da rua, no portão. Elisete recebe seu Derli com um abraço. E os dois conversam sobre os 40 anos de profissão de Derli, dos 20 anos de amizade e do quanto amam estar perto das crianças. A jornada de ida termina com um elogio e tanto para o aniversariante:
- Para trabalhar com criança, precisa ser responsável. O seu Derli não é só responsável. É carinhoso, é brincalhão. Tem que ter aquele jeitinho dele para agradar os pequenos, por isso, eu sempre indico a van dele - elogia Elisete.
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VIDA ITINERANTE
A primeira licença de transporte escolar privado em Santa Maria foi concedida a seu Derli. A van Sprinter dele carrega o prefixo 001, expedido em 1983. Bem antes da regulamentação do serviço, em 1978, ele já pilotava uma Kombi. O veículo comprado de "tio Vando"- seu chefe na época, hoje apresentado como "pai de coração"- transportava três meninas no início.
- As pessoas foram vendo as meninas descerem na escola e foram pedindo o transporte.
De lá para cá, o motorista só parou por um mês para se recuperar de uma cirurgia na vesícula. Adão Derli também não terceiriza o serviço para o qual tem licença. Acredita que a responsabilidade é muito grande para ser transferida para alguém.
- Admiro quem tem firma grande e emprega as pessoas, mas eu acho que lidar com criança é uma grande responsabilidade. Prefiro fazer o serviço, entregar as crianças para os pais e deitar com a cabeça tranquila no travesseiro - diz o motorista, que nasceu em Cruz Alta, mas mora em Santa Maria desde criança.
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Não é à toa que Adão Derli é considerado um motorista modelo. Nos 40 anos de trabalho, nunca teve sequer um acidente, só um episódio de fogo na Kombi, que ainda foi previsto por ele:
- Estava transportando adultos para Jaguari, mas me dei conta (do fogo) antes. Parei no acostamento, e as pessoas desceram com calma. Não houve nenhum problema.
Seu Derli pretende se aposentar em fevereiro do ano que vem. Em vez de lidar com a ausência dos alunos que são transferidos ou mudam de cidade ano a ano, vai ter que aprender a deixar os milhares de estudantes que passaram na vida dele só na memória.